Passei parte da minha infância em Erechim, no norte do Estado. Morava na Rua Gonçalves Dias, que, por um bom tempo, pensei ser uma super avenida. Descobri, ao voltar lá, 20 anos depois, que não era bem assim, eu que era miúda. Dezembro era mágico. Saíamos para passear à noite pelas ruas do centro da pequena cidade. Lembro do movimento de pessoas e crianças nas calçadas, das sinetinhas tocando, os velhinhos barbudos vestidos de vermelho por todos os lados, o comércio ficava aberto até tarde da noite.
Lembro da praça em círculo, da catedral na esquina e bem em frente ao chafariz, o Castelinho, hoje tombado como patrimônio cultural. Guardo nas gavetinhas da memória muitos momentos e pessoas que conheci na Capital da Amizade. Lembro que, todo ano, os moradores da rua contratavam o Papai Noel. Um ano ele vinha de vermelho, no outro azul. Vai ver que era uma forma de agradar a todos. A gente não se importava com a cor, era ele mesmo. Na noite de Natal, ficávamos esperando ouvir a sinetinha, quando ele apontava na esquina. Ao menor som do instrumento, eu corria para detrás do sofá, era medo, muito medo.
De lá, eu via quando entravam aquelas calças vermelhas - ou azuis - e as botinas pretas. Era o máximo que enxergava do meu esconderijo. O velhinho se acomodava numa poltrona e começava a chamar uma a uma as crianças para entregar os presentes. Eu tremia e chorava, mas não saía da sala. Não entendo bem aquele medo, que não me fazia arredar o pé da sala. Essa magia, com medo e tudo, faz parte do universo infantil. Crescemos e deixamos para trás um olhar e um sentimento puro que nos faz muita falta. Eu só posso projetar para fora o que possuo por dentro. E esse sentimento de criança, esse olhar o mundo, a vida e tudo que faz parte dela com amor transforma tudo e todos. Sou eu que faço meu ambiente, se ele está ruim, preciso rever meus conceitos, minhas atitudes.
Sou eu que carrego o bem e o mal, o lobo que eu alimento é que comanda a forma como me relaciono com os outros e com o lugar onde vivo. E sobre tudo que tenho visto, ouvido e lido nos últimos dias, "eu fico com a pureza da resposta das crianças". Simples assim. Sempre.